Prisioneiras - Drauzio Varella
Prisioneiras - Drauzio Varella
Autor: Drauzio Varella
Número de páginas: 296
Início da leitura: 24/01/2024
Término da leitura: 28/01/2024
Prisioneiras é o terceiro livro da trilogia do Dr. Drauzio Varella sobre suas experiências ao longo de décadas de trabalho voluntário no sistema prisional brasileiro.
O primeiro livro é “Estação Carandiru”, que foi adaptado para o cinema pelo talentosíssimo Héctor Babenco em 2003, e como o nome já diz fala a respeito da casa de detenção, também conhecido como o inferno na terra. Tanto o livro quanto o filme valem muito serem prestigiados, sendo inclusive o filme uma adaptação surpreendemente fiel das histórias narradas, com passagens inteiras sendo transpostas para a tela do cinema com maestria e cuidado, além das atuações marcantes de vários atores brasileiros sensacionais. O filme da um grande destaque ao massacre do Carandiru realizado pela polícia militar.
O segundo livro embora menos famoso não é de forma alguma inferior: Carcereiros, que retrata a vida dos amigos que Varella fez ao longo de seu trabalho voluntário, e destrincha um lado completamente negligenciado do cárcere, a dos homens que dedicam boa parte de suas vidas ao trato dos privados de liberdade. É um excelente twist no livro original, mostrando a visão dos funcionários sobre o dia a dia e as mazelas de lidar com o sistema penitenciário, especificamente o paulista.
Já o terceiro livro, nosso foco nessa resenha é o mais atual, tendo sido lançado em 2017, já pós o domínio do PCC e da onda de ataques terroristas que parou o estado de São Paulo em 2006, foca nas mulheres e sua relação como privadas da liberdade.
Prisioneiras aborda a fundo como são as diferenças no tratamento dado às presas quando comparadas à seus pares masculinos, sem apelar para sentimentalismo barato, e consegue nos emocionar e causar revolta em diversos pontos.
Agora eu peço licença aos nobres leitores desse humilde blog para uma das reveleações que tive durante esse livro e que me deixou chocado: O nome do Drauzio Varella NÃO É DR. AUZIO, NEM DRAUZIO! O nome do médico mais fofinho e gente fina desse país é Antônio, mais especificamente Antônio Drauzio Varella!
Voltando à resenha, essa obra trata de humanizar sem passar pano pra ninguém, tarefa muito complexa diga-se de passagem, visto as atrocidades cometidas por algumas das protagonistas desse livro. É fácil cair na armadilha de romantizar/demonizar o criminoso, pois como o diz próprio Tonhão (eu ainda to chocado com essa descoberta, tentem entender): “Assim como em toda cadeia, todos se declaram inocentes, estavam no lugar errado, na hora errada, com as pessoas erradas”.
Um ponto que salta aos olhos é a diferença na organização dos presídios quando se trata de mulheres, e destaca-se são de que mulheres presas são muito mais asseadas, algo presente inclusive em detalhes como a sacolinha que usam para receber o pão pela manhã através de um buraco na porta, que nos presídios masculinos trata-se apenas de uma sacola de mercado qualquer, quando nos presídios femininos as presas elaboram saquinhos de renda para receber o alimento. Fora isso, salvo a exceção das mulheres ligadas ao PCC (de quem a facção cobra a heterossexualidade compulsória), a homossexualidade é algo comum nas cadeias femininas, comportamento esse que não é aceito em cadeias masculinas. O livro destrincha a fundo todas as personas e manifestações do espectro dentro da cadeia, desde as “sapatão original”, mulheres homo que nunca se relacionariam com homens, até as mulheres que dentro da cadeia por conveniência se relacionam com outras internas para obter vantagens, mas que na rua voltam a se relacionar exclusivamente de forma hetero.
Um relato constante é o abandono por parte da família/parceiros, o que contrasta com o apoio COBRADO aos presos do sexo masculino, pois a lei do crime impõe que as mulheres visitem o marido preso e o ajudem, o que causa diversas vezes o aprisionamento das mesmas. Um paradoxo cruel e interessante de se notar.
Vale notar que o livro não aborda apenas a vida das internas, mas que também fala sobre como é a dura vida das agentes que cuidam das detentas, passando pelas motivações que leva mulheres a escolher eesse trabalho, até detalhes de como se organizam nas folgas e de como extravasam a tensão. De certa forma, as funcionárias também tornam-se prisioneiras de outra maneira mais sútil.
Outro tema abordado bastante no livro é o do sindicato do crime, algo que não fosse tão presente no dia a dia dos paulistas de menor poder aquisitivo poderia facilmente passar por uma invenção cinematrográfica aos moldes de John Wick. A organização austera e praticamente militar do comando, bem como seus julgamentos cruéis e a conduta cobrada dos seus membros, faz provar que não existe vácuo de poder que não seja preenchido por uma organização, onde o estado falhou em suprir necessidades e coibir a pobreza, estabeleceu-se um poder paralelo que com mão de ferro comanda a vida de milhares de pessoas, dentro e fora das cadeias.
Em suma, é um livro que aborda temas pesados mas não deixa de ser de leitura fácil, que não faz julgamentos morais e principalmente que pesa a mão na crítica social sem dó e como citado anteriormente, não cai na armadilha de romantizar o sofrimento da privação de liberade e da vida criminosa.
Facilmente um dos melhores livros que já li na vida, apesar de curtinho (menos de 300 páginas) e de leitura acessível, é um livro profundo e que nos faz pensar demais.
Nota: 5 de 5 cinco maços de malboro